quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Porque morrer é pra sempre

Capa do ebook de Ben Abraham

Quando a gente pensa que já viu de tudo, novos fenômenos nos aparecem. A morte, que nos games representa o fim e, simultaneamente, o recomeço de uma nova partida, tem sido problematizada por jogadores cada vez mais insatisfeitos com a condição das múltiplas vidas. Em 2009, Ben Abraham resolveu radicalizar a sua experiência no mundo dos jogos, inventando uma nova forma de jogar através do conceito de morte permanente (permanent death).

Nos primórdios dos games, os designers conceberam uma regra simples, e irrefutável durante muito tempo, de que três mortes, ou seja, três tentativas frustradas no jogar representariam o game over. O fim de cada jogada efetivamente se dava com o desperdiçar de três vidas pelo jogador. Ora, se a terceira morte representava o fim, qual era o sentido das duas mortes anteriores? O avatar era destruído duas vezes e isso não caracterizava o fim do jogo?

Pensando nessas questões, Abraham resolveu adotar uma meta-regra na tentativa de unificar verdadeiramente o jogador e o avatar. Para ele, a partir do momento em que é possível uma multiplicidade de vidas (já que sempre podemos voltar ao ponto em que morremos) a figura do jogador está desvinculada da entidade avatar. É como se o jogador não estivesse jogando “o” jogo, mas “com o” jogo.

A regra do Ironman e o eterno retorno

A partir dessas considerações, Ben passou a seguir o que ele chamou de regra do “Ironman”, impondo a si próprio uma morte permanente no jogo, independente da existência de inúmeras possibilidades de retorno imediato à partida. Ele explica que a restrição da morte permanente força o jogador a superar os maiores desafios já enfrentados em um jogo ou na realidade: a inconstância, a loucura, a covardia e a fraqueza. Ao invés de desistir e optar por um restart, o jogador se vê obrigado a continuar mesmo diante das piores circunstâncias do jogo.

Isso é o que acontecia na época dos consoles de 8 e 16 bits, quando surgiram jogos como Super Mario Brothers, Donkey Kong Country ou mesmo Super Metroid, apenas pra citar os mais famosos, que deram início à estocagem do jogo na memória dos videogames. Tal tendência caiu no gosto dos jogadores e fez com que as empresas desenvolvessem cartões de memória para a gravação de progressos de jogo. Daí por diante, a dificuldade pressuposta pela expectativa de vida do avatar estaria comprometida.

O fenômeno permanent death vem para ressuscitar o instinto de conservação presente nos jogos do passado. A experiência, que se transformou em uma espécie de ebook, no qual Ben Abraham narra a sua aventura no jogo Far Cry 2 até o momento de sua única morte, caracteriza-se, portanto, como aquilo que Nietzsche conceituou como o eterno retorno. Regras e realidades próprias dos jogos do passado agora retornam, não pela via da ineficácia tecnológica, mas pela permanente insatisfação humana. É como já diz o ditado: tem gente que chora porque apanha e outros choram pra apanhar.

4 comentários:

  1. É, a vida já é difícil e mais essa agora... A gente joga para se divertir, mas aí, quando fica tudo sério demais, a ponto de tú morrer e não voltar de onde estava ou poder trapacear a lógica humana, eu acho que deixou de ser jogo e ficou "The Sims" demais, ehehehe. Bom, mas é só minha opinião. Essa do ditado no final foi boa! eheheheh.

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  2. Realmente a diversão é um dos fatores indispensáveis ao momento do jogo. No caso do Ben Abraham trata-se, talvez, de um jogador hardcore que não vê mais diversão em jogar com tantas vidas e repetições de fase, tendo que reinventar o jogo para si. Confesso que já havia pensado nessa possibilidade. Acho que a noção de diversão depende das necessidades de cada um, ou de um grupo, em determinado contexto. Eu, por exemplo, não consigo ver diversão em Guitar Hero jogando no normal ou até mesmo no hard. Tem que ser expert! huahauhuahu.

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  3. Salve, salve Daniel! Um dos faróis que, espero, num futuro próximo estarão guiando os navegantes no ainda pouco explorado mar dos game studies no Brasil! Uma excelente iniciativa essa do blog, meu velho. Discutir games de um ponto de vista mais culto é uma proposta bem interessante. E o título veio bem a calhar! Arretado! hehehe

    Essa experiência do Permanent Death é bastante interessante. O que me passa é que o autor quis realmente fazer um experimento: avaliar quais seriam suas sensações e sentimentos ao longo de um jogo como o Far Cry acrescido da responsabilidade de zelar pela própria vida. Mais que qualquer outra questão, essa experiência nos faz pensar sobre as relações entre os jogos e a vida real e os rumos que o design dos jogos modernos têm tomado. Oferecer uma experiência mais verossímil não só do ponto de vista visual, mas também do próprio ato de jogar e de pertencer a um mundo virtual, parece ser um caminho para o qual, aos poucos, os designers têm despertado. Isso me deixa roendo as unhas de excitação. O futuro dos jogos promete.

    No mais, parabéns mais uma vez pela iniciativa, cara!

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  4. Boa Noite Pessoal,

    Quando li o texto do colega Daniel só me veio em mente um game que explica realmente a dor de perder um personagem ou de morrer. O nome desse game se chama Diablo II (2000), da Blizzard Int., não somente pelo seu sucesso, mais pela forma que ele se adapta na Battle.Net (servidor Oficial da Blizzard que mantém jogos como Diablo, WoW, Star Cratf e etc) pois nesse espaço os jogadores podem optar por um “Modo Game” denominado de Hardcore, ou seja, morrendo o jogador perde o personagem, juntamente com sagrados itens e avanços. Já vi jogador entrando em depressão, se isolando socialmente por causa dessas “perdas virtuais”. Lógico deixando os pais mais perdidos ainda.
    Muitos outros games, percebendo que parte dos jogadores queriam realmente pura adrenalina já criam nativamente “Modes” selecionáveis que permitem uma maior realidade e aproximação com a morte dentro dos ambientes dos jogos eletrônicos.

    Sobre Diablo II:
    http://pt.wikipedia.org/wiki/Diablo_II
    www.blizzard.com/

    Sucesso a Todos!!!

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