quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A redenção do ano

        
Os gráficos são excelentes. O som, dotado de uma sensibilidade poética. O roteiro é instigante e muito bem elaborado. Os números falam por si: 5 milhões de cópias vendidas em um mês. Aclamado por todas as publicações do ano de 2010 e ostentando notas máximas em todas as avaliações dos críticos, Red Dead Redemption veio para deslumbrar jogadores do mundo todo e consagrar-se como o melhor game do ano.

A história começa em Red Dead Revolver, desenvolvido pela Capcom, mas bastou a Rockstar bater os olhos no título para comprar os direitos e produzir um faroeste fantástico, revivendo o gênero da sétima arte. Rockstar é sinônimo de GTA, de Bully e de Manhunt, ou seja, de polêmica. Mas apesar da fama, o jogo só seguiu uma tendência da controversa produtora: a assunção de um personagem criminoso, porém em busca da redenção, pois o maior objetivo de John Marston neste mundão sem porteira é caçar os antigos comparsas na tentativa de “se ajeitar na vida”.

O cotidiano no open world

O mundo aberto de Red Dead Redemption segue os padrões dos GTAs, possibilitando ao jogador a interação com todos os elementos presentes no cenário. O mapa é imenso, compreendendo espaços nos Estados Unidos e no México, na transição do século XIX para o século XX. Mesmo diante de um ambiente rural, a ciber-topografia do game é complexa, envolvendo morros, montanhas e até canyons, de onde se pode ver um horizonte praticamente infinito.

O interessante é que a relação espaço/tempo do jogo acompanha e representa aspectos do cotidiano social. Uma experiência emblemática de gameplay a esse respeito aconteceu quando de uma partida em que conduzia Marston às 6h da matina em busca de um emplastro numa botica local. Ao chegar, o estabelecimento estava fechado, mas vi uma cena impressionante: caminhando ao redor do lugar percebi um senhor fumando um cigarro num beco ao lado do prédio. Era o dono da botica esperando a hora de abrir suas portas.

Cenas como essa são muito comuns no game. O hiperrealismo de alguns eventos leva ao extremo a experiência de imersão, trazendo, na aleatoriedade promovida pela inteligência artificial, acontecimentos inesperados, reações dinâmicas e tomadas de decisão de última hora. Em Red Dead Redemption o jogador precisa desenvolver um instinto de improvisação e uma capacidade perceptiva para distinguir cidadãos de bem de ladrões de má cepa.

A beleza do Oeste

Sem sombra de dúvidas, Red Dead Redemption é um daqueles jogos que o sujeito se vê enrascado, numa sinuca de bico, na qual a única decisão acertada é puxar a cadeira, embaralhar o carteado e dar-se à jogatina até amanhecer o dia. Conhecer Red Dead é comparável a ser apresentado pela primeira vez a Half Life 2 ou Okami. 

As roupas de época, as linguagens, os costumes, o ritmo de vida, as instituições, as relações de força, a moral, a ética... ah, e os cavalos. Como são belos e realísticos. Talvez os cavalos mais deslumbrantes da história dos videogames. No lombo de um guapo eqüino, podemos por em ação não só a capacidade da intervenção, mas também a da contemplação, tal qual em Shadow of the Colossus. Mas com uma diferença: vez ou outra dá pra ver o sol se pondo, deixando o céu com uma tonalidade esplêndida, sertaneja; vermelha, tal qual a cor do melhor game de 2010.


sábado, 11 de dezembro de 2010

Os games e suas histórias

Tennis for Two

Quem já nasceu imerso na era digital nem acredita que os videogames possuem mais de 50 anos de vida. Muitas crianças e adolescentes nem chegaram a ter contato com os fabulosos jogos das décadas de 80, sucessos que marcaram toda uma geração de gamers veteranos. Mas, afinal: o que queriam (e o que querem) os games?

A bomba atômica e o primeiro videogame

Willy Higinbotham
Várias discussões e debates entre os historiadores levaram a uma conclusão de que o primeiro vídeo-jogo conhecido na história data de 1958 e foi criado pelo físico Willy Higinbotham. Willy trabalhava no Brookhaven National Laboratories, em Nova Iorque, onde criou um simples jogo de tênis, que aparecia num osciloscópio e era processado por um computador analógico. A intenção do físico era entreter as pessoas que frequentavam o laboratório a fim de conhecer as armas nucleares americanas em plena Guerra Fria.

O jogo recebeu o nome de Tennis Programming e Tennis for Two, tendo sido aprimorado e adaptado para telas catódicas. No entanto, Willy Higinbotham subestimou a própria criação e acabou não patenteando o jogo. O físico morreu em 1995 e, ao invés de ser lembrado como alguém que contribuiu para o surgimento do primeiro videogame, entrou para a história apenas como um grande colaborador à invenção da bomba atômica.

Entre mortos e feridos, nasce a patente

Stephen Russel jogando Space War!
O site do MIT (Massachusetts Institute of Technology) aponta o jogo Space War! como sendo o primeiro jogo em vídeo popularmente conhecido. Martin Graetz, Stephen Russell e Wayne Wiitanen foram os responsáveis pela criação do jogo em 1961, mas sua primeira versão rodou apenas em 1962 num computador DEC PDP-1. Stephen Russell, portanto, foi o segundo programador a criar um jogo eletrônico em vídeo.

A intenção dos inventores era a mesma de Higinbotham: descontrair o público que visitava o MIT para conhecer um computador sisudo, bruto e, consequentemente, tedioso. O jogo cativava as pessoas e chamava a atenção delas para o mundo da informática, naquela época ainda muito ligado a cálculos numéricos em cartões perfurados. Space War! conseguia emular a física real através de algoritmos que conferiam sensações de aceleração e gravidade, próprias de uma batalha interestelar ainda embrionária.
Ralph Baer

Mas foi um alemão quem entrou para o mundo dos games como o “pai dos consoles”. Ralph Baer sai da Alemanha em 1938, indo morar nos Estados Unidos. Os EUA entram na guerra em 1939 e Baer é obrigado a voltar à Alemanha para trabalhar no serviço de inteligência. Escapa com vida de uma guerra e entra de cabeça em outra: forma-se em engenharia eletrônica, chegando a patentear diversas invencionices na área. De empresa a empresa, chega em 1966 à Sander Associates, quando decide criar uma máquina pronta para processar jogos eletrônicos e exibi-los nas TVs. Ralph esboça o Chasing Game, espécie de jogo de ping-pong, patenteia a ideia em 1968 e apresenta o Brown Box, um videogame com jogos de futebol, voleibol e tiro. Empresas americanas como RCA, Zenith e General Electric tomaram ciência do invento, mas foi a Magnavox (afiliada da Philips) que lançou no mercado o Odyssey 100, primeiro console da história dos videogames.


Box do Odyssey 100

Porém, esse foi só o começo de uma guerra que ainda traria muitas dores de cabeça para alguns e incomensuráveis prazeres para milhões. A patente de Ralph Baer foi a chave para o legado eletrônico de uma linguagem midiática em constante mutação, a qual até hoje não conseguimos cercar de forma a descobrir todos os seus segredos e fechar com 100% em todas as fases.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Bem-vindo ao Grid, programa


Um engenheiro de softwares chamado Kevin Flynn trabalha numa grande empresa do ramo informático, a ENCOM, e em paralelo, toca, incansavelmente, projetos independentes de desenvolvimento de jogos para videogames. Tentava com isso montar a sua própria empresa, mas um colega de trabalho rouba os projetos do engenheiro, ganhando notoriedade e promoções. Qualquer relação com o Vale do Silício, Bill Gates e Steven Jobs é mera coincidência (ou não), pois estamos falando de Tron, um dos primeiros filmes a utilizar efeitos de computação gráfica na história do cinema.

Tron: uma odisseia eletrônica
Pra quem ainda não viu, o longa-metragem cibernético da Disney data de 1982 e já tratava, metaforicamente, dos conceitos sobre realidade virtual. No enredo, os seres humanos se projetam no Grid (mundo digital da história) como sendo programas que se enfrentam para sobreviver aos desígnios do PCM (Programa de Controle Mestre).

Em meio às fraudes na ENCOM, Kevin procura provar sua inocência através de invasões aos programas da empresa. Por meio de um dispositivo que digitaliza objetos do mundo da vida e os materializa no mundo digital, Kevin é detectado pelo PCM e acaba sendo materializado no Grid. Começa, então, uma odisseia eletrônica que só seria reatualizada após mais de 20 anos de sua gênese: no final de dezembro estreia em todos os cinemas do mundo a continuação do lendário cult ciberpunk, Tron Legacy.

As metáforas virtuais do mundo atual

Em sua continuação, Tron contará a história do filho de Kevin, transferido para o Grid por razões óbvias. Com um enredo simples e uma estética ciberfuturista  que bebe da fonte clássica de Blade Runner, ou mesmo do mais recente Matrix, Tron Legacy se constitui como uma hiper experiência visual. Podemos esperar pérolas das imagens em 3D, como os fragmentos em direção à tela, gerados quando um “programa” é deletado ou algum veículo é destruído. Mas mesmo com um enredo minimalista, há espaço para refletirmos sobre os conceitos visuais de Tron.

O mundo virtual do filme é uma espécie de megalópole, repleta de luzes em suas conexões viárias e na indumentária dos personagens, representadas como verdadeiros circuitos integrados de placas eletrônicas. Da mesma forma, a representação das pessoas, por serem programas regidos por um sistema central, faz-nos pensar em regimes sociais  e normas de conduta pré-existentes ao indivíduo antes mesmo deste nascer, o que conota uma ideia de indivíduos programados para executar linhas de comando.

Ao indagar a uma personagem sobre a sua função no Grid, o filho de Kevin escuta uma resposta simples e direta da moça: “Sobreviver!” E só. Pois o que seria a vida senão uma tentativa desenfreada de resisitir aos percalços e lutar por algo que não fazemos a mínima ideia? Jogo e vida são conceitos indissociáveis em Tron, onde jogamos para viver e vivemos a fim de jogar.

Mas a metáfora mais surpreendente está representada na arma do jogador. Um disco, artefato que nos remete a duas relações de espaço/tempo: à Grécia antiga, da qual adveio um dos primeiros jogos olímpicos, o arremesso de discos, bem como à atualidade, que se caracteriza pela presença massiva do digital, dos artefatos midiáticos e de uma guerra silenciosa, que não se realiza mais por via das armas. Uma guerra financeira, travada por mecanismos informacionais que têm nos discos rígidos um dispositivo representativo da estocagem de conhecimento e, consequentemente, de poder.
 
E, claro, a velocidade e a astúcia. A metáfora dos tempos efêmeros e competitivos perpassa em milésimos de segundo os inúmeros feixes de luz na cauda dos caminhos traçados pelas motos do filme, sinalizando também para os movimentos astuciosos dos jogadores que reduzem os adversários a fagulhas pixelizadas.

Ambientes sombrios, efeitos visuais de deslocar a mandíbula, realidades sintéticas e imersão contemplativa são alguns dos atrativos que fazem de Tron Legacy um dos filmes mais ansiados do momento, provando que as produções da década de 1980 perduram na memória ROM dos programas atuais mais saudosos.
 

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Cinema e videogame no VI Fest Aruanda

Aruanda, aclamado filme de Linduarte Noronha, passou a nominar o não menos louvável festival paraibano do audiovisual brasileiro com vistas ao incentivo e ao reconhecimento das produções audiovisuais no circuito universitário em âmbito estadual, regional e nacional. Em sua sexta edição, que acontece de 10 a 15 de dezembro no Hotel Tambaú, com entrada franca, o Fest Aruanda contará com a, já consolidada, mostra de produções em curta-metragem em variados gêneros, além de seminários acadêmicos e oficinas.

Encontros transmidiáticos

Dentre os seminários em apresentação, teremos, no dia 10 de dezembro (9h às 12h e 14h às 18h), no Hotel Tambaú (sala Cabo Branco), CAMPOS EMERGENTES E INTERCRUZADOS: CINEMA, CIBERESPAÇO, GAMES E HQS. No turno da manhã serão apresentados: “A usabilidade no YouTube”, por Thiago Marinho, (PPGC-UFPB); Enquadramentos de exploração em gamescapes”, por Daniel Abath (PPGC-UFPB); Façade e a convergência entre games e narrativas”, por Rennan Ribeiro (UFCG); “Visão e espaço na fotografia 360º online”, por Mainara Nóbrega (UFCG).

Já no período da tarde, contamos com os seguintes trabalhos: “Narrativa do documentário Um Lugar ao Sol”, Bárbara Duarte (UFPE); “Reinvenção da estética da fome: uma análise do Baixio das Bestas”, Fabrício Evangelista (UFT); “Relações entre as narrativas do cinema e das HQs”, André Pereira (UFPE).

Das possíveis relações entre cinema e videogame

Não é de hoje que os videogames têm influenciado na chamada estética cinematográfica. O exemplo mais específico dessa relação se dá no âmbito das animações, dados os recursos computacionais empregados nessas obras. Muitos desses procedimentos gráficos advêm das pesquisas da área informática, das quais aquelas relativas ao mundo dos games sempre despertaram o interesse dos pesquisadores, quer seja em função de uma cultura hacker, quer seja devido a uma corrida concorrencial entre as empresas produtoras e desenvolvedoras de jogos eletrônicos. 



Nossa apresentação no VI Fest Aruanda irá contemplar o movimento inverso, ou seja, a influência de técnicas de enquadramento cinematográfico sobre os games. Como podemos enquadrar as imagens nos variados jogos da atualidade e como se dá a relação das perspectivas de câmera no intuito de contar uma história através desses jogos? Estas parecem ser as principais questões em discussão, já que as possibilidades de delimitação visual em gamescapes, ou melhor, nas paisagens dos games, revelam intenções, assim como, também, o desenquadramento, ou seja, tudo aquilo que não foi mostrado na tela.

Pensar e discutir sobre o fenômeno da convergência de mídias é algo indispensável para entendermos os inúmeros tipos de dispositivos midiáticos contemporâneos, a exemplo dos videogames. Pois, se na sua gênese os games eram considerados como meros passatempos, hoje se mostram cada vez mais enigmáticos quanto à própria natureza e quanto ao futuro de suas possíveis utilizações.

Reunindo palestrantes de pós-graduação e graduados das universidades federais de João Pessoa, Campina Grande, Recife e Tocantins, o VI Seminário Fest Aruanda promete discussões acaloradas entre as áreas de Sociologia, Comunicação, Jornalismo, Cinema e Arte e Mídia. Lembrando, mais uma vez, que a entrada é francamente indispensável.