segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Controles cada vez mais remotos


O nome seria Project Natal, uma homenagem ao brasileiro Alex Kipman, gerente da Microsoft no desenvolvimento do projeto. Com o passar do tempo, ganhou o nome oficial de Kinect, um sensor de movimentos que traz para os videogames um suporte inovador, dispensando o uso de joysticks para o envio de dados à máquina. Agora, o corpo é solicitado.

A experiência é fruto da concorrência entre os consoles, dos quais o Wii foi o pioneiro. Com o Wii Remote, a interação entre o jogador e a máquina foi revolucionada, o que logo despertou a atenção das empresas adversárias. A Microsoft foi muito mais além: pôs de lado o controle e possibilitou ao usuário a liberdade de movimentos incondicional, tendo em vista que o sistema funciona através de uma câmera de reconhecimento dos movimentos.

A ideia, porém, não é recente. Desde 1969, projetos artísticos relacionados com a interatividade, como o Videoplace de Myron Krueger, já especulavam o terreno do intercâmbio homem-máquina através de imersões de corpo inteiro sem a mediação de aparelhos físicos. Como se não bastasse, os hackers/programadores se apropriaram do código de funcionamento do Kinect e desenvolveram interfaces de uso do acessório em sistemas operacionais, como o Windows 7.

Videoplace
Podemos dizer que o Kinect, antes mesmo de chegar ao Brasil, já não é mais um artefato próprio do mundo dos games. Tal qual acontecia no filme de ficção científica Minority Report, em que agentes da polícia manipulavam imagens com simples movimentos e gesticulações das mãos, agora vemos na realidade ícones e janelas voláteis nas mãos dos programadores, que ora aumentam, ora diminuem suas proporções como se fossem brinquedos.

O mundo dos jogos eletrônicos mais uma vez contribui, mesmo que indiretamente, para o aperfeiçoamento tecnológico. A própria modificação astuciosa do equipamento sinaliza uma prática lúdica por parte dos usuários, demonstrando que o conhecimento é sempre melhor construído através da prazerosa experimentação lúdica.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Vida ou game?



A pauta da semana de inúmeros jornais, sites de notícias e conversas informais foi somente uma: a violência no Rio de Janeiro. Depois de anos de tolerância, as instituições de segurança pública do Rio finalmente resolveram se articular para conter e tentar refrear a ação dos traficantes nos morros cariocas, não por obrigação legal, mas induzidos por força de acontecimentos-limite promovidos pelos próprios criminosos.

A barbárie da situação carioca transbordou para os games desde o final do ano passado, no aclamado Call of Duty: Modern Warfare 2. A produtora Activision fez questão de incluir o Rio de Janeiro em alguns estágios do jogo, dada a forte inspiração nos conflitos urbanos modernos. Na edição de número 95 da revista EGW, a Activision se pronunciou acerca das polêmicas do game apontando que “Modern Warfare 2 é um jogo fictício de ação feito com uma jogabilidade intensa e realista que reflete os conflitos da vida real, semelhante aos filmes de ação”. Mais um jogo violento? Nem tanto se comparado às cenas da vida cotidiana.

O Rio dos americanos

Tropas do exército americano, em ação no Rio de Janeiro, procuram informações sobre a atuação do contrabandista Alejandro Rojas. Encontram um homem suspeito saindo de um prédio de classe média alta, que não esboça reação, mas subitamente saca uma uzi e dá cabo de três soldados americanos, mais um capitão. Por sorte, o sargento Sanderson consegue se abaixar e escapar da rajada de balas que receberam os seus colegas de equipe. Começa, então, uma corrida desenfreada à procura do criminoso que segue pelas ruas da cidade, em meio a ônibus abandonados, pessoas assustadas e carros em chamas, formando uma densa fumaça negra no céu. O sargento alcança o assassino, alveja-o em uma das pernas e o leva para um cativeiro improvisado, onde, com o auxílio de descargas elétricas, falará até o que não sabe.

O cenário de guerra proposto pelo estágio do Rio em Call of Duty é perfeitamente comparável ao enredo da vida. Na pele de um norte-americano adentramos em um território que até nós desconhecemos: os morros, com seus barracos e vielas estreitas. O estágio do Rio é um dos mais difíceis, pois os inimigos se escondem e se esgueiram por todos os cubículos possíveis da favela sem lei, além de espreitar suas vítimas do alto de inúmeras lajes.

Visualmente podemos dizer que as favelas são bem representadas, com uma riqueza de detalhes digna de uma pesquisa no Google Earth. Mas a representação sociocultural ficou relativamente comprometida em alguns aspectos, o que se explica pela influência dos estereótipos e pelo próprio descaso com seus irmãos latinos. Os traficantes, por exemplo, são representados no jogo com óculos escuros e boinas, semelhantes aos guerrilheiros colombianos das Farc. Esses mesmos inimigos gritam coisas (em português) como: “levem as crianças para um lugar seguro” ou “a favela é nossa casa”, o que nos faz acreditar que um traficante é um cidadão preocupado com o bem estar dos seus. Claro, talvez isso se explique como uma espécie de compensação pelo fato dos americanos se mostrarem no jogo como os salvadores da(s) pátria(s) envolvida(s) em conflitos urbanos.

Será que o Rio está no jogo certo?

Parece-me que a série Call of Duty: Modern Warfare está preocupada em retratar conflitos que possuem dimensões político-ideológicas, mesmo as mais fictícias, como as (ainda!) oriundas da Guerra Fria. Os cenários da segunda versão da série compreendem intervenções militares no Afeganistão, na Rússia, na costa leste dos Estados Unidos e no Brasil.

De acordo com o UOL Notícias, os eventos ocorridos durante essa semana no Rio de Janeiro foram classificados pelas autoridades como “atos terroristas”. No entanto, o site ouviu a opinião de especialistas em Relações Internacionais, que concordaram em classificar as ações da semana como “criminosas”, visto que não há motivação política, mas tão somente econômica por parte dos protagonistas.

Dessa forma, pergunta-se: será que o Rio de Janeiro está no jogo certo? Não seria melhor colocá-lo como pano de fundo de games como GTA (o que já foi feito pelos mods), em que as disputas se dão por poder e influência na venda de produtos ilegais, tendo como objetivo a busca pelo prazer imediato da violência gratuita? Pelo sim e pelo não, é sempre muito bom sentir a sensação de resolução, mesmo que “gráfica”, dessa insustentável situação do Brasil. Só  nos resta esperar uma boa renderização do lado de fora da tela.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Porque morrer é pra sempre

Capa do ebook de Ben Abraham

Quando a gente pensa que já viu de tudo, novos fenômenos nos aparecem. A morte, que nos games representa o fim e, simultaneamente, o recomeço de uma nova partida, tem sido problematizada por jogadores cada vez mais insatisfeitos com a condição das múltiplas vidas. Em 2009, Ben Abraham resolveu radicalizar a sua experiência no mundo dos jogos, inventando uma nova forma de jogar através do conceito de morte permanente (permanent death).

Nos primórdios dos games, os designers conceberam uma regra simples, e irrefutável durante muito tempo, de que três mortes, ou seja, três tentativas frustradas no jogar representariam o game over. O fim de cada jogada efetivamente se dava com o desperdiçar de três vidas pelo jogador. Ora, se a terceira morte representava o fim, qual era o sentido das duas mortes anteriores? O avatar era destruído duas vezes e isso não caracterizava o fim do jogo?

Pensando nessas questões, Abraham resolveu adotar uma meta-regra na tentativa de unificar verdadeiramente o jogador e o avatar. Para ele, a partir do momento em que é possível uma multiplicidade de vidas (já que sempre podemos voltar ao ponto em que morremos) a figura do jogador está desvinculada da entidade avatar. É como se o jogador não estivesse jogando “o” jogo, mas “com o” jogo.

A regra do Ironman e o eterno retorno

A partir dessas considerações, Ben passou a seguir o que ele chamou de regra do “Ironman”, impondo a si próprio uma morte permanente no jogo, independente da existência de inúmeras possibilidades de retorno imediato à partida. Ele explica que a restrição da morte permanente força o jogador a superar os maiores desafios já enfrentados em um jogo ou na realidade: a inconstância, a loucura, a covardia e a fraqueza. Ao invés de desistir e optar por um restart, o jogador se vê obrigado a continuar mesmo diante das piores circunstâncias do jogo.

Isso é o que acontecia na época dos consoles de 8 e 16 bits, quando surgiram jogos como Super Mario Brothers, Donkey Kong Country ou mesmo Super Metroid, apenas pra citar os mais famosos, que deram início à estocagem do jogo na memória dos videogames. Tal tendência caiu no gosto dos jogadores e fez com que as empresas desenvolvessem cartões de memória para a gravação de progressos de jogo. Daí por diante, a dificuldade pressuposta pela expectativa de vida do avatar estaria comprometida.

O fenômeno permanent death vem para ressuscitar o instinto de conservação presente nos jogos do passado. A experiência, que se transformou em uma espécie de ebook, no qual Ben Abraham narra a sua aventura no jogo Far Cry 2 até o momento de sua única morte, caracteriza-se, portanto, como aquilo que Nietzsche conceituou como o eterno retorno. Regras e realidades próprias dos jogos do passado agora retornam, não pela via da ineficácia tecnológica, mas pela permanente insatisfação humana. É como já diz o ditado: tem gente que chora porque apanha e outros choram pra apanhar.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Hiperrealismo na pista: Gran Turismo 5 finalmente no grid de largada

Gran Turismo 5 Prologue
Desculpa, mas o título é exclusivo da Sony. Isso vale pra mim também, que sou adepto do console da Microsoft. Depois de anos de produção, Gran Turismo 5 finalmente chega ao mercado, deslumbrando os fãs de simulação de corrida com uma experiência hiperrealista.

Mesmo tendo sido apresentado como um dos primeiros títulos para Playstation 3, já em 2005, Gran Turismo 5 passou por vários adiamentos, o que contribuiu para o acréscimo de elementos por parte do desenvolvedor Poliphony Digital.

De acordo com o UOL jogos, podemos esperar karts, sistema avançado de danos aos veículos e inclusão de redes sociais ao jogo, tudo em busca de uma experiência cada vez mais imersiva e viciante. Ainda de acordo com o site, o game chega ao Brasil através da Sony, oferecendo o português de Portugal como idioma opcional.

A série

Gran Turismo é uma série de simulação de corridas, exclusiva das plataformas Playstation, caracterizada por extrema qualidade gráfica, imensa quantidade de carros e jogabilidade dinâmica. Cada carro, com suas especificidades, possui jogabilidade diversa, sempre exigindo uma destreza técnica do jogador sem comparação.

Quanto à tecnicidade, a empreitada da Poliphony, desde a época do Playstation 1, já exigia do piloto uma seriedade ao volante, no sentido da concentração para a execução das manobras. A licença pra dirigir sempre foi um requisito básico do jogo, demandando horas e horas aos mais perfeccionistas que gostavam de ver a letra A estampada em cada categoria das carteiras. Eu mesmo nunca consegui em todas.

Dentre outros, tivemos: Gran Turismo (PS1); Gran Turismo 2 (PS1), com desfecho regado a My Hero, do Foo Fighters; Gran Turismo 3: A-Spec (PS2); Gran Turismo 4 (PS2); Gran Turismo PSP; Gran Turismo 5 (PS3).

O G1 aponta que os jogos da série ultrapassaram 55 milhões de vendas em dezembro de 2009, sendo Gran Turismo 3: A-Spec o título que mais vendeu, chegando a 14,89 milhões de unidades (isso até agora, porque a quinta versão...).

Por que jogar (ou não) Gran Turismo 5?

Muitas pessoas se perguntam: mas afinal, pra que diabos eu vou jogar Gran Turismo? Um jogo altamente técnico, altamente frio e altamente burguês (diriam os marxistas de plantão)? Primeiro de tudo, respeito pela série, que mesmo sendo tão virtuosa, esbanja em realismo e imersão. Depois, os games, assim como a arte, não devem se limitar a discursos anti-lúdicos, pois as corridas existem (eu não gosto de assistir corrida, mas tudo bem) e possuem seu lugar garantido no cotidiano cultural. Terceiro e mais importante: a experiência sensorial do jogo, que transmite a sensação de velocidade de forma intra-venosa, inclusive com a inserção de uma câmera fixada no cockpit (só de ver os gameplays do Prologue no youtube já dá pra ter uma noção), é algo do outro mundo.

Meu tio, que adorava o Out Run do Master System (risos) ficaria embasbacado se hoje visse o realismo de um jogo como Gran Turismo 5, uma verdadeira pérola da indústria do entretenimento, produto de contribuições históricas dos games e relíquia para toda uma posteridade. Digo isso de forma confortável, mesmo que um dia meus filhos ou netos venham a me chamar de ultrapassado. Ossos da tecnologia.



sexta-feira, 19 de novembro de 2010

“Editorial”

Uma paixão antiga. Costumo brincar dizendo que o cordão umbilical era um fio de joystick. Quando tinha cerca de cinco anos ganhei o primeiro dos muitos consoles que passariam pelas minhas mãos: claro, um Atari. Horas e horas de Enduro, Pac Man, Pitfall, River Raid, dentre tantos e tantos títulos em cartuchos múltiplos, o que me rendeu o gosto por escrever. Sério! O meu passatempo tão amado foi o precursor da minha verve pela escrita. Muito simples: todo jogo precisava de um roteiro para se chegar ao fim, chamados no mundo gamer de “detonados”. Assim, meus escritos se resumiam a descrever os caminhos, bem como os atalhos, para se chegar ao fim dos jogos, sobrevivendo às intempéries lúdicas. 
Esse espaço é dedicado ao mundo dos games, e aqui podemos incluir o mundo da nossa vida. Afinal, viver implica regras; viver pressupõe objetivos e metas a serem cumpridos; viver sugere (e muito mais nos dias hodiernos) a busca pelo prazer, pela diversão, pelo efêmero; viver se traduz em tensão... Ficamos entendidos de que a vida é transmutada frequentemente em jogo. Portanto, se vez ou outra discutirmos questões não necessariamente relativas ao mundo dos games, a proposta ainda estará válida, visto que a vida é regida por uma correlação de forças, por disputas, por desafios que a transformam num jogo dotado de regras em constante diálogo. Ludosofar é entender que as coisas precisam ser discutidas de forma prazerosa, na qual participar é mais importante do que ostentar o título de vencedor. 
Bons jogos a todos!