terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A ética das redes e o espírito dos jogos


A relação entre o mundo dos games e muitos outros mundos já não é novidade pra ninguém. São jogos roteirizados para cinema; filmes que inspiram games; quadrinhos infiltrados nas linguagens cinematográficas e nas ludonarrativas e até programas televisivos que se auto-intitulam como “videogames” ou assumem vinhetas e outros recursos próprios de tais mídias hiper-interativas.

Um exemplar fascinante dessa constante presença do espírito dos games em outras mídias é o comercial de lançamento do Fiat Bravo no Brasil. Certamente muitos telespectadores que não conhecem o consagrado jogo Guitar Hero passaram batidos pela referência explícita à estrutura de jogabilidade do game. Do alto de uma passarela, um músico executa as notas do seu instrumento em harmonia com os carros-propaganda. Em várias faixas e cores distintas, tais quais os botões coloridos do game, os carros acionam as notas no momento em que cruzam a faixa na pista. Bravo!

Mas, e quando as estruturas, os elementos e a lógica dos jogos transbordam do chamado círculo mágico para a vida cotidiana? Claro que a vida sempre foi comparada a um jogo por teóricos como Johan Huizinga, mas alguns fenômenos do dia-a-dia nos fazem crer que essa comparação tem migrado cada vez mais do campo metafórico para o âmbito pragmático.

São quase 23h e Diego Quinteiro precisa de uma Coca-Cola Zero para continuar trabalhando. Online, manda uma mensagem para o amigo PC Siqueira, que imediatamente “RT” para pouco mais de meio milhão de pessoas:
        
Atenção notívagos - o @diegoquinteiro precisa de uma coca cola urgentemente e não tem. ele está no trabalho, virado” (10h40 PM)

“Se alguém aí tiver a manha de deixar uma coca na portaria do trabalho dele agora (Rua. Tavares Cabral, 74 SP) eu indico para follow”. (10h41 PM)
 
“Aee, o @roger_benet levou refrigerante pro Diego! Sigam @roger_benet porque ele merece (:” (11h44 PM)

A estrutura é bem clara: alguém lança regras; desafia os anônimos; estipula uma recompensa, que será a motivação do participante em potencial, e o vitorioso é celebrado como tal. Todo o processo, desde o chamado aos notívagos até a entrega do prêmio, segue uma lógica própria dos jogos. Essas estruturas estão condicionando não apenas novas representações lúdicas, mas formas de pensamento e ação. Roger Benet, que se define em seu twitter como músico e youtuber, aceitou voluntariamente seguir a missão de entregar a Coca Cola e recebeu como recompensa mais respeito na rede social a qual participa. Tudo isso comprova que o espírito dos games nunca esteve tão entranhado na vida cotidiana, demonstrando que a ética das redes informáticas tem sido construída muito mais a partir de valores materiais do que morais: ganha quem tiver mais followers.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Um jogo cada vez mais injusto


O site Uol Jogos anunciou que o Projeto de Lei 300 de 2007, que pretendia trazer para os games as vantagens gozadas pela Lei de Informática foi arquivado ontem. Tal projeto previa reduções de impostos tanto em artefatos de hardware como software, mas por uma aparente falta de interesse dos políticos, foi pra gaveta de acordo com o site.

Carlito Merss, autor do projeto de lei, era na época deputado federal por Santa Catarina. Como pediu renúncia por ter sido eleito prefeito de Joinville, e o projeto era de sua autoria, outros deputados não se sentiram “à vontade” para pedir o desarquivamento e continuar com as proposições.

A carga tributária que incide sobre os videogames e seus jogos aqui no Brasil chega a ser absurda, isso porque a lei entende os games como jogos de azar. Pra se ter uma ideia, os tributos podem chegar a 275% do valor de importação. Exemplo? Um PS3 que custa aproximadamente US$ 300 nos states sai por R$ 2000 aqui no Brasil.

Parece que o interesse dos parlamentares é mesmo dificultar um comércio tão lucrativo como o dos videogames, preocupados em defender projetos como a Lei de censura, do senador Valdir Raupp. Mas esse assunto fica pra depois, da mesma forma que uma discussão séria, e crítica, sobre o futuro dos games no nosso país.  

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Entre espadas, discos e fatos

Confraternizações, contagens regressivas, pirotecnias e novas tecnologias. Até parece que 2010 foi ontém. Aliás, nossa última publicação data de dezembro do ano passado e janeiro já era, apesar de 2011 estar só começando. Ainda entregando relatórios, revisando e finalizando trabalhos, digamos que o recesso da pós-graduação conseguiu agregar um novo sentido ao termo ‘férias’. Mas mesmo diante da labuta, sempre aparece um tempinho para atualizar alguns jogos, filmes e livros.

O credo do matador

Assassin’s Creed 2 era um título que ainda não havia desfrutado. Lembro de um professor de inglês, americano, que sempre repetia no intervalo das aulas: “Man, Assassin’s Creed is amazing. Oh, dude! You have to play that game”. E era verdade. Desculpem-me os reacionários, mas o jogo é uma obra de arte. Depois do criticado Assassin’s Creed e seu sistema de missões repetitivo, o penúltimo título (estou atrasado, pois o mais novo é o Brotherhood) veio para agradar gregos, troianos e a memória dos antigos italianos.

Ezio em ação em Assassin's Creed
O jogo se passa entre os anos de 1476 a 1499, em cidades como Veneza e Florença e o jogador encarna o assassino Ezio, da família Auditore de Firenze. Apesar de levarmos o nome de assassino com o avatar, o trespassar da espada em Assassin’s Creed 2 não é um ato gratuito: já nas primeiras missões do jogo o pai de Ezio e seus irmãos são levados ao cadafalso e começa uma jornada de vingança e de reconciliação de Ezio com um passado familiar até então desconhecido.

Mas o enredo é só um dos inúmeros detalhes do título, que conta com uma complexa representação da arquitetura das cidades (prédios, catedrais, praças públicas); reprodução e contextualização de obras de arte do período Renascentista e personagens históricos como Leonardo da Vinci, Catarina Sforza, Lorenzo de’ Medici e Rodrigo Bórgia.

Tron: jogar não é preciso

Tron Evolution
Um filme deslumbrante, ao menos visualmente, não poderia ganhar um jogo tão minimalista. Tron Evolution foi concebido para ser jogado antes do filme, pois podemos dizer que alguns eventos precedem os acontecimentos de Tron Legacy. A dinâmica dos movimentos velozes do filme foi bem implementada no jogo, mas a transição de alguns golpes e o arremessar do disco deixam a desejar na tela. A moto de luz marcou presença, assim como o tanque, porém ambos são difíceis de controlar, comprometendo a diversão. Talvez o enredo, que acompanha a lógica do filme, tenha ficado um pouco equilibrado.

O que não podemos deixar de mencionar é a mecânica de jogo, típica dos mais recentes Prince of Persia. Em alguns momentos, os estágios se tornam bastante repetitivos, com algumas sequências de pulos em plataformas e obstáculos e, em seguida, enfrentamento de oponentes. Repita essa fórmula ad infinitum e a semelhança com outros jogos do gênero se tornará cada vez mais evidente.

Na dúvida, veja um filme como A rede social e se descubra velho diante de jovens com ideias simples e eficientes que se tornaram milionários da noite pro dia. Depois do filme, lembre da situação no Egito e leia livros-reportagem como 101 dias em Bagdá, da jornalista Asne Seierstad. É interessante pensarmos que as injustiças e os conluios políticos que perpassam o enredo de Assassin’s Creed 2 são tão reais quanto as conspirações da  conhecida diplomacia americana, que se mostra defensora de princípios democráticos e, no entanto, apoia  um presidente odiado pelo povo. Mas nesse jogo de faz de conta diplomático, o american dream já é página virada de um Bukowski ansioso pela vida como ela é.