sábado, 19 de novembro de 2011

Jogo. Logo, existo!

Enfim, um ano de Ludosofando. Como prometido, em comemoração à data, transcrevo a entrevista que concedi ao Richardson, aluno do 3º período de Jornalismo da UFPB, a respeito das nossas pesquisas e outras curiosidades.

Grande abraço a todos vocês que vêm acompanhando o blog nessa caminhada. Que muitos e muitos anos pela frente tornem o Ludosofando cada vez melhor! Valeu!

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Quando começou seu interesse por games?

Os games passaram a fazer parte da minha vida desde muito cedo. Um tio era o que hoje chamamos de geek, tinha todas as revistas Super Interessante, comprava todas as revistas de games que saiam na época (Ação Games, Videogame, Super Game, etc.) e, claro, acompanhava as gerações de consoles. Então, como eu morava com os meus pais, meus avós e esse tio, passei a conviver com isso desde os cinco anos de idade. Então tive de cara o Atari, com seus jogos memoráveis, e acompanhei razoavelmente as gerações ao longo de mais de duas décadas. Já o interesse acadêmico por games surgiu a partir do momento em que compreendi que o videogame podia ser estudado através da perspectiva comunicacional, entendido como uma mídia, isso no final da minha graduação de Jornalismo.

Quais jogos foram analisados na sua pesquisa “A representação do cotidiano nos games”?

A representação do cotidiano nos games é na verdade o tema que envolve toda a minha investigação. Muitos pesquisadores se debruçam sobre as relações de comunicação existentes nas comunidades de jogos MMORPG, ou seja, games jogados em rede com pessoas do mundo inteiro. Eu procuro analisar questões sociais e de comunicação nos games no próprio game. Da mesma forma que alguns pesquisadores estudam a representação da realidade, ou do cotidiano na literatura, eu venho estudando a representação da realidade nos games. Questões como representação da socialidade imbricada na história do jogo, ou nas ambiências virtuais. Dessa forma, venho trabalhando com o GTA e o Call of Duty: Modern Warfare, o primeiro por se tratar de um game em que as habilidades de convivência no cotidiano do jogo são muito requisitadas e o segundo por ser uma série que tem se dedicado a retratar guerras modernas, inclusive com representações do Rio de Janeiro.

O Grand Theft Auto IV parece ser nesse momento o jogo que criou e representou melhor essa vida social de personagens não existentes. O que você acha dessa simulação de vida?

Pois é, o GTA IV é um dos jogos que melhor trabalha com essas representações, além do The Sims e jogos de época como Mafia e o recente L.A. Noire. O GTA IV ao mesmo tempo que é caricato e irônico, também é sério e representativo. No game foram inseridas várias mídias que podem ser utilizadas pelo avatar, tais como o celular, a televisão e uma internet própria do jogo, com centenas de sites fictícios, mas que de forma bem humorada reproduzem aquilo que acontece na vida cotidiana. Gosto do termo simulação, pois é exatamente isso o que acontece: a vida e seus meandros, no GTA, passam por uma (dis)simulação. Ou seja, é a simulação de uma vida desregrada, mas que também possui os seus limites. E o mais importante num jogo como esse é a mensagem de uma ética dos grupos sociais, das máfias, que a própria sociedade (e não só a do jogo) “permite” e “institucionaliza”. Além disso, o que percebemos na maioria dos jogos da série em relação à construção do criminoso, daquele que está à margem da sociedade, fazendo serviços sujos e impossíveis para certos cidadãos, é a condição de necessidade. Isso acontece no GTA: San Andreas, em que o protagonista Carl Johnson é representado como afrodescendente, pobre e socialmente margeado. No GTA IV temos Niko Bellic, imigrante que chega aos EUA com promessas de melhoria de vida, mas que logo percebe a podridão da sociedade, das pessoas públicas e de um american dream fictício. O que sobra então para essas pessoas? Isso é o que faz dos games, arte.

Já analisou o GTA IV?  Ele virou objeto de estudo também?

Não, na verdade o GTA IV me serviu apenas num artigo acadêmico apresentado no ano passado, no Intercom Regional. No artigo eu demonstrei exatamente a possibilidade de trabalharmos com a representação do cotidiano in game, diverso de estudos que se concentram nas relações interpessoais e intergrupais promovidas pelos MMO.

Você já falou sobre a brasilidade nos jogos, alguns “mods” ficaram em excelente estado, casos como o GTA: San Andreas com a cidade do Rio de janeiro, o que você acha dessa edição de games?

Acho fantástico, tanto que decidi investir em um artigo e apresentar de que forma o aficcionado por games consegue inserir elementos da cultura local, da cotidianidade, dos elementos icônico-simbólicos que nos definem como brasileiros. Por mais que os gráficos sejam incipientes e certas edificações do game original tenham sido mantidas, é interessante vermos alguns pontos turísticos como o Cristo Redentor, uniformes de times de futebol nacionais e inclusive carros nacionais nas ruas do GTA: San Andreas. De posse desses elementos o jogador conta outras histórias sobre a história do game e acaba fazendo com que as suas vicissitudes prevaleçam ali. A própria diretriz narrativa das brigas entre traficantes no jogo foi modificada em função desses elementos. No GTA Rio de Janeiro as gangues são compostas por membros de torcidas organizadas, e as brigas são resultado de conflitos dentro dessa relação, o que sabemos que ocorre em demasia aqui no país. Então notamos que forma e conteúdo são inseparáveis: um elemento formal evoca aspectos de movimentos sociais, conflitos entre tribos urbanas e todo tipo de manifestação levada de fora para dentro do jogo. Ou seja, quando mudamos alguns elementos formais/gráficos modificamos inevitavelmente algum aspecto da lógica e da narrativa do jogo.

O que acha sobre essa produção caseira dos “mods” no Brasil? Estamos convivendo com novos criadores de games?

Definitivamente, não. Temos visto pesquisas que tratam sobre a questão da autoria diante das manifestações midiáticas da cultura remix, como por exemplo vídeos remixados com fotos, cortes e inserção de outros elementos que acabam desconfigurando as características autorais, fenômeno já demonstrado no início do século XX através do conceito benjaminiano de perda da aura. Podemos considerar que o mod processa essa desconfiguração remix: eu tomo o jogo original e modifico com inserção de outros elementos e isso é fato. A Rockstar não tem qualquer relação de autoria sobre esse jogo terceiro que é o GTA Rio de Janeiro. Mas também não podemos considerar o criador do mod como um criador de game. Ele é um aficcionado, alguém que não consegue construir um jogo inteiro, mas que consegue quebrar alguns códigos, algumas criptografias e daí então inserir elementos 3D muitas vezes já disponibilizados em sites gratuitamente. Outras vezes o modificador (vamos aqui chamá-lo assim) pode ter conhecimentos com programas como 3DS MAX e desenvolver seus próprios elementos 3D. Na minha opinião, isso não o torna um criador de game. Na verdade, ele está inserido em uma cultura hacker, de quebra de código, de caos, de contestação alternativa, tendo em vista que esses games são pirateados e até vendidos em camelôs. Mas, claro, o exercício da modificação pode ser um primeiro passo para que esse aficcionado venha a produzir algum game na vida, afinal de contas a maioria dos games produzidos aqui estão fora do circuito de mercado, construídos através de projetos individuais e alternativos.

Na 6° edição do Interprogramas de Mestrado, da Cásper Líbero, você falou sobre a descentralização dos jogos( EUA/JAPÃO). Acredita que ela possa acontecer?

Bem, eu gostaria muito pelo fato de que os americanos produzem o espetacular, o hype, e os orientais se voltam para sua própria cultura, produzindo games muito localizados para venda interna. Há muitos jogos japoneses que não chegam aqui. Daí ficamos à mercê das produções americanas. Os títulos e os gêneros já estão muito saturados. As pessoas deixaram de acreditar em jogos open world como GTA, tanto que a produtora foi investir em temáticas do velho oeste, com Red Dead Redemption, e abordagens mais sérias e difíceis como L.A. Noire. Eu acho que poderíamos produzir jogos mais nacionais, desde que o incentivo e a participação do governo nesse mister fossem efetivos.

Em seu blog, li um post sobre o jogo Call of Duty: Modern Warfare que falava sobre uma parte em que se jogava no Rio de Janeiro. Você gostou dessa “homenagem”?

O aspeamento de homenagem é extremamente oportuno (risos).  Acho que a maioria dos fãs brasileiros da série Modern Warfare foi ao delírio quando soube da inserção do Rio como um cenário. Gostei muito da representação dos espaços físicos do estágio, das texturas empregadas, dos detalhes explícitos como as casas ainda nos tijolos, os barracos, as lajes, as caixas d’água improvisadas, a bola de futebol que vaza a tela pelas laterais durante o conflito armado, o campo de futebol de terra batida e, claro, o contexto da violência, os traficantes, as armas pesadas. Se prestarmos atenção veremos que há uma tendência em “homenagear” o Rio de Janeiro em várias mídias há algum tempo: a animação Rio, um título recente da série Velozes e furiosos, o game Call of Duty Modern Warfare 2, o próximo título da série Max Payne, que se passará em São Paulo... Enfim, como o Brasil vem ganhando maior notoriedade em assuntos públicos na comunidade internacional, inclusive diante dos grandes eventos que serão aqui sediados, parece-me que há uma tendência em divulgar, mostrar, apresentar alguma coisa do Brasil nas mídias, mesmo que essa apresentação nem sempre mostre exatamente o que o Brasil é.

Que tipo de imagem esse jogo pode ter trazido para o Brasil e especialmente para o Rio de Janeiro?

Para o Brasil trouxe muito do que já sabemos, por mais que a mídia tente encobrir através de discursos como “o Morro do Alemão está pacificado” ou “agora os moradores podem transitar com segurança nas favelas”. Isso não é verdade: a violência continua, o narcotráfico continua e determinadas ações, como a do Morro do Alemão, não se constituem como ações de segurança pública, mas tão somente como ações midiáticas. São ações de assessoria, de relações públicas internacionais, visto que sediaremos uma Copa e isso exige segurança adequada. Tudo aquilo que vimos naquele dia foi uma cena, com roteiro elaborado, tempo determinado, enquadramentos, luz adequada, tomadas de helicóptero, para forjar a imagem internacional de que está tudo sobre controle no país. Internacionalmente, acho que o game representou bem a condição da guerra moderna instalada no Brasil, demonstrando que o país está entregue nas mãos dos bandidos e da lei que assim os institucionaliza, mas, ao fazê-lo, admitiu, em contrapartida, que os americanos podem muito bem chegar atirando e resolver uma boa parte do problema.

Na sua opinião, o jogo descreve a realidade das favelas cariocas ou exagera em sua representação?

Acho que todo game em si já contém muitos exageros. Nós pesquisadores comparamos muito as características dos games com o cinema e a literatura, e esquecemos um pouco de fazer analogias com a linguagem do teatro, que é a representação do drama ou da comédia da vida de forma exagerada. O exagero no game está sempre presente no quesito dificuldade: na programação do jogo são inseridos inúmeros bots, ou NPCs (personagens não controláveis), dotados de Inteligência Artificial. No estágio da favela carioca há um número elevado de traficantes no cenário, tudo para dificultar a vida do jogador. Agora, em relação a uma representação antropológica daquele local, certamente foi exagerada: a indumentária dos inimigos não chega a caracterizá-los como traficantes brasileiros. Os nossos bandidos costumam usar toucas, bonés, bermudas e outros adereços, enquanto que os bandidos do game usam óculos escuros, cinturões de munições transversais e calças jeans, o que remete muito mais para um estereótipo de colombiano. Outro ponto de engasgo na fase diz respeito às falas dos traficantes em português, dotadas de um sotaque gringo e imediatamente traduzidas para o inglês. Coisas do tipo: “Inimigo à frente! Ahead!”.

Em seu blog você fala sobre a saturação, da imprensa, na tentativa de acusar os games como “fazedor de assassinos”. Qual seria o interesse da mídia na consolidação deste pensamento?

Na verdade, a mídia é apenas uma preposta, ou seja, ela representa interesses terceiros. Quando a mídia atribui a um dispositivo tecnológico a culpabilidade por crimes e delitos de toda ordem, torna inimputáveis os verdadeiros responsáveis pela violência. Se pensarmos assim, teremos de censurar também os milhares de filmes de violência que estão nos cinemas, no mercado, nos camelôs. Há um projeto de lei tramitando no Senado que tenta criminalizar os atos de produção, importação ou distribuição de jogos que atentem com as tradições, os costumes, as religiões dos povos, etc., etc., etc. O que acontece é o seguinte: a economia é o que manda no mundo hoje em dia. A política, pra usar um termo do Lobão, é um “cadáver insepulto”: só serve pra bater foto com líderes mundiais e fechar as cotas de importação e exportação entre os países, além, claro, de servir para o enriquecimento ilícito. Pra o show continuar, o povo não pode saber disso. É aí onde entra a mídia: a mídia tem de produzir discursos midiáticos, pra que o povo ache, por exemplo, que o videogame é o culpado pela insanidade mental dos assassinos. Em seguida, aparece um ilustre político defendendo a censura aos famigerados jogos de violência e, assim, o povo se sente satisfeito, tendo a certeza de que elegeu um defensor dos bons costumes e um homem de ação, que identifica rapidamente as soluções para os problemas. Como a mídia é só mais um tentáculo da burocracia, das instituições, precisa desviar o entendimento dos indivíduos, assim como o fazem as pornografias da indústria cultural, nomeadamente funks, forrós, axés. Ressalto, apenas, que os games possuem indicações etárias de utilização, instituídas pelo ESRB, órgão regulador americano, semelhante ao Inmetro, ou seja, crianças não podem e nem devem jogar games com temáticas adultas, assim como não devem assistir a filmes de violência ou de pornografia. 

No post “Eu, aplicativo?” você fala sobre a dependência que estamos criando de viver conectados 24h, seja jogando algum game ou conectado a uma rede social. Ao seu modo de ver essa conexão estaria criando um isolamento social?

Como dizem os estudiosos, a exemplo de Zygmunt Bauman, as redes sociais estão conformando uma sociedade “plugada” ou sociedade “sem fio”. Em alguns países fala-se em “vida eletrônica” ou “cibervida”, de forma que o termo rede está gradativamente substituindo o termo sociedade. E nada de acharmos que as tecnologias fizeram isso conosco. O ser humano é eminentemente danoso a si próprio. É o único animal que tem consciência de que outros milhões da sua espécie passam fome nesse exato momento e deseja, por explícita vontade, que esse mal se perpetue ad infinitum. A tecnologia é um produto da mente humana. Uma faca sobre uma mesa jamais perfurará sozinha qualquer material que seja, a não ser através de uma força, de um desejo, de uma vontade que a tire do seu repouso de objeto inanimado. Acho que os hábitos de interação com mídias digitais, ambientes virtuais, etc. têm criado uma disposição de isolamento presencial, mas uma espécie de envolvimento social é perfeitamente possível em ambientes digitais. Pergunto-me, aliás, se sabemos exatamente qual o sentido de viver em sociedade. Nós, brasileiros, fomos muito mal preparados para uma vida política em sociedade, de forma que, ao meu ver, não exercemos um convívio social pleno. As redes sociais estão aí, inspirando publicitários a defenderem campanhas neo-iluministas de libertação pelas vias do digital: favela agora tem vez, voz e não sei quantos mil seguidores. E daí? Favela não tem água, favela não tem esgoto, favela não tem hospital, favela não tem escola, favela não tem salário adequado, favela não tem segurança... Então, essas “soluções” virtuais nem são boas, nem são más: são apenas a mais nova atração do parque de diversões da sociedade de consumo. O que vem acontecendo, sub-repticiamente, é o aumento da burocracia das instituições; de uma vigilância silenciosa do sistema. Mas o segredo do isolamento social, ao pé da letra, com direito à senha e email pra fazer login, só quem pode deter é mesmo algum monge budista.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Parabéns pra vocês!


Quando estamos jogando, imersos nos mundos virtuais, parece que o tempo é só uma ampulheta a girar rapidamente, construindo mais uma torre de poeira que será destruída imediatamente. No nosso dia-a-dia sempre nos pegamos dizendo coisas como “nossa, como o ano passou rápido”; “já estamos em dezembro”; “já, já começam as propagandas de natal”. Pois é, já faz quase 1 ano que o blog Ludosofando vem comentando, discutindo, divulgando e se divertindo com os assuntos ligados a esse mundo tão fantástico, fértil e amado que é o mundo dos games. E como todo bom filho merece um presente de aniversário, não vamos deixar essa data passar em branco.

Entrega do prêmio Made in PB
A primeira publicação data de meados do dia 19 de novembro de 2010. De lá pra cá houveram bons textos, alguns desencontros, discussões de relação e diante do reconhecimento público do prêmio de Melhor Blog de Cultura Pop, conferido pelo  Studio Made in PB, no HQPB deste ano, optamos por dar continuidade ao nosso trabalho, que afinal de contas é uma extensão daquilo que pesquisamos academicamente. Quando digo “nosso” ou “optamos” estou me referindo a mim e a todos aqueles que contribuem para com os resultados do nosso esforço, ou seja, a todos vocês.

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Cérebro!

Cut scene de Fatal Frame 2
Resident Evil, Silent Hill, Fatal Frame, Alan Wake… Esses nomes te lembram alguma coisa? Claro, essa semana tivemos a alegria mórbida dos vivos, com a típica comemoração norte-americana do Halloween, bem como um dia dedicado à lembrança dos mortos, e foi pensando nos mortos-vivos que o Ludosofando resolveu trazer um texto com memórias de alguns dos principais games de terror da história.

A série de games mais conhecida do gênero, com adaptações para o cinema, quadrinhos e livros, é mesmo Resident Evil, de Shinji Mikami. Desde a época do Playstation 1, a febre de 42º era estourar os miolos dos inúmeros zumbis da mansão macabra da Floresta de Raccon, onde indícios de canibalismo levam um grupo de agentes policiais a averiguarem a situação. Na pele de Jill Valentine e Chris Redfield, vivemos momentos de suspense e terror genuínos, com direito a vidraças estilhaçadas por cachorros mortos-vivos, corvos no melhor estilo Alan Poe e puzzles dotados de armadilhas inusitadas e sanguinolentas. Um dos primeiros quebra-cabeças estava num piano e o desafio era completar uma partitura de “Claire de Lune”, de Beethoven (totalmente inusitado). Em seguida, surgiram várias sequências inesquecíveis, culminando com o mais recente Resident Evil 5 que foi ambientado na África e causou polêmica ao representar os africanos como zumbis.


A segunda série mais conhecida é Silent Hill, um raro caso de um game bem adaptado para o cinema. Sempre com ambientes que exageram nas sombras, na escuridão e nas sonoridades obscuras e imersivas, Silent Hill soube criar o clima de terror em várias sequências, como Silent Hill 3 do Playstation 2. Um trecho muito interessante do game é o parque de diversões assombrado, com direito à Casa do Terror, esqueletos despencando do teto e sustos de traumatizar qualquer gamer principiante.

Dos jogos mais recentes, Fatal Frame é um dos títulos louváveis, pois trabalha o terror psicológico tipicamente oriental que fez o sucesso de filmes como O chamado. No game, espíritos se mostram diante das objetivas fotográficas e a câmera é a única arma à disposição para capturar os espíritos do mal. Siren: blood curse também é outro jogo aterrorizante da linha oriental. E como não lembrar da excelente exclusividade do Xbox 360, Alan Wake?

Em Alan Wake, nem Jesus: só a luz pode te salvar
Alan é um escritor bem sucedido que decide sair em férias com a esposa em busca de inspiração para quebrar um período de 2 anos sem qualquer produção artística. O personagem, tal como Stephen King, é escritor de suspense e terror e o seu objeto acaba tomando conta da sua momentânea realidade de descanso, quando sua mulher é raptada por entidades sombrias. Um jogo muito, mas muito escuro, que conta com sons de ventanias, vozes de além-túmulo e uma simples lanterna como grande utensílio de sobrevivência: a luz é a verdadeira salvação. Encontrar um foco de luz em um poste no meio de uma trilha em mata fechada é a melhor definição de alívio que o jogador pode sentir. Além disso, o game é estruturado em capítulos, tal como um seriado de TV, criando uma relação de audiência autêntica e digna das melhores críticas dos especialistas.

Em Dead Rising, shopping é ponto de encontro dos zumbis
Em plena temporada de Walking Dead, o tema zumbi retorna à baila. Os jogos dedicados ao assunto, e os filmes derivados, não deixam dúvida sobre a aprovação e o gosto popular. Mas afinal de contas, o que querem os americanos com a fórmula dos mortos-vivos? Punição divina, processo natural ou organismos artificialmente produzidos em laboratório? Você sabia que o governo americano vem preparando e instruindo as pessoas sobre como sobreviver a um ataque de zumbis através do CDC (Center for Disease Control and Prevention)? Dos games de zumbi, termino com Dead Rising que extrapola criticamente as representações dos monstros em confronto dentro de um shopping center. A vida dos mortos que ainda se acham vivos é se servirem de objetos, de coisas, de relações de consumo, de uma fúria canibal que lhes toma a consciência a ponto de se digladiarem sempre em busca da matéria. Na barbárie vale tudo: espadas de brinquedo, guitarras, cortadores de grama e tacos de beisebol, pois já somos uma sociedade de zumbis genuínos, eternamente insatisfeitos com os cérebros já decompostos de uma obsolescência perene.



A inesquecível introdução cinematográfica do primeiro game da série Resident Evil
 
 

sábado, 22 de outubro de 2011

Às próximas fases

A penúltima semana de outubro terminou fervendo com os lançamentos mundiais e as prévias em vídeo de games muito aguardados, como Uncharted 3. A grande “jogada” de marketing foi convidar Harrison Ford para conhecer o game, fazendo caras, bocas e trejeitos de um Indiana Jones que continuará sendo lembrado na pele de Drake, protagonista aventureiro do jogo. O vídeo deixa nas entrelinhas audiovisuais a desanimadora sensação de um Ford velho, cansado, que recorre aos joysticks para executar saltos mirabolantes e escapar de armadilhas idem. Nem isso o velho Indy consegue.


Batman: Arkham City foi realmente o grande lançamento da semana. Uma legião de fãs que aguardavam o game, sonhando através dos vídeos de divulgação, agora já podem ter acesso ao petardo da Rocksteady. Quem acompanhou o primeiro título do universo Arkham sabe do que estou falando: gráficos surpreendentes, enredo bem elaborado, boa dosagem de dificuldade e excelente curva de aprendizado. Enfim, um jogo completo, sem contar com o novo movimento de queda livre aérea, que é espetacular.

Diferente de games de super-herói como Spider Man: Shattered Dimensions (o qual trabalha com um enredo mais bem humorado, tendo em vista o perfil do Aranha) Batman: Arkham City promete continuar fazendo a linha séria, mostrando a face dura e sombria que fez a fama do herói no memorável quadrinho do Cavaleiro das Trevas. Em meio a inúmeros inimigos desarmados, encarnamos um homem-morcego confiante, super-herói. Mas ao nos depararmos com meia dúzia de escopetas (como ocorria no Arkham Asylum) o game se transforma: Batman sai da condição de herói e se mostra humano, demasiado humano, e limitado. O jeito é montar uma estratégia, uma tática astuciosa para sair das enrascadas com vida. Esse é o ponto-chave do elemento tensão no game.

Pra terminar, tivemos o comunicado oficial do lançamento do portátil Playstation Vita para 22 de fevereiro de 2012. A data unifica o lançamento ocidental da máquina nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Brasil. Outros países da América Latina também tiveram a data de 22 de fevereiro confirmada, mas podendo sofrer algum atraso em relação a procedimentos político-fiscais. Preços? U$250 (versão mais simples apenas com Wi-fi) e U$300 (versão completa, com Wi-fi e 3G). O Vita chega a ter gráficos tão potentes quanto os de PS3 e possibilidades de interface muito avançadas, através do touch frontal e touch por detrás da tela.

Particularmente sempre gostei dos portáteis. Mesmo aqueles games que vinham 999 jogos, com o Tetris como game padrão de fábrica. Tive alguns da Tec Toy, como o mini-game do Pit Fighter, mas não cheguei a comprar nem o Game Boy, nem o Game Gear. Diante de jogos para celular, Nintendos 3DSs, PSPs e agora Vitas, a impressão é a de que os tempos passam e levam consigo, cada vez mais, uma parcela da nossa inocência cultural. A imagem de Harrison Ford interagindo com Drake faz ressuscitar o discurso benjaminiano acerca da perda da aura (a título de metáfora, visto que Indiana Jones também é um produto da reprodutibilidade técnica): nunca mais veremos o grande Indiana em suas memoráveis aventuras, não porque o ator está mais velho, mas porque a essência midiática da narrativa se foi, ou melhor, permanece num outro tempo. Agora, as fluidas imagens descartáveis se impõem, narcotizando-nos atemporalmente, apesar de que a luta entre o velho e o novo é inevitável; é necessário ao aparecimento da planta o desaparecimento da semente. Se Batman, Lara Croft ou Drake, não interessa: sempre haverá uma próxima fase.




terça-feira, 18 de outubro de 2011

Vende-se um adaptador de estórias

Fonte: http://www.gameworld.com.br/4855-ARTIGOS-Ideia-de-jogo-GAMESFODA-


"Desde a popularização da televisão, educadores tentam passar aos jovens o hábito da leitura sem muito sucesso. Com o advento dos jogos eletrônicos, essa tarefa se tornou ainda mais difícil. Por outro lado, muitas pessoas começaram a ler quadrinhos por causa de Marvel VS Capcom, assim como muitas pessoas passaram a entender alguma coisa de mitologia grega por causa de God of War. Baseado nisso, sugeri há algum tempo atrás no Twitter uma ideia de jogo que trago hoje de forma expandida pra facilitar o trabalho da CAPCOM e do Ministério da Educação (não precisam agradecer) e ver se eles se animam".
O trecho acima foi retirado da coluna semanal do GAMESFODA, no portal GameWorld. O bom humor de ideias como essa já se refletiram em jogos de luta entre filósofos, figuras religiosas e diante de propostas no mínimo hilárias, podemos refletir um pouco sobre o processo de adaptação entre as mídias. Numa época em que os adaptadores deram lugar aos emuladores, a moda agora é adaptar entre mídias.


Quando falamos em adaptação logo nos lembramos dos fracassos cinematográficos e de algumas poucas experiências que se safaram dentro da relação cinema/videogame. Quando o filme vira jogo a experiência é menos desastrosa do que o contrário. Exceto o caso clássico do game Et: O Extra-terrestre em que o filme homônimo foi transformado em uma terrível adaptação para o Atari, em 1982. Os usuários que compraram o título devolveram os cartuchos aos montes e aqueles que ainda pensavam em comprar deixaram o prejuízo para as lojas. Resultado: pilhas e pilhas de cartuchos enviados para um aterro nos Estados Unidos, tornadas lixo e enterradas como tal. Nascia ali uma crise no setor, conhecida como o crash dos videogames de 1983. Com gráficos tão incipientes, o resultado não poderia ser outro.

Imagem do jogo E.T., do Atari.
Mas vieram novos consoles, novas tecnologias, melhores gráficos, altas definições. E os games de filmes passaram a contar as histórias do cinema fidedignamente, além de trazer elementos novos que ficaram de fora das narrativas audiovisuais, como é o caso do game Enter the matrix, que traz várias sequências fílmicas gravadas com atores reais participantes do filme, e The lord of the rings: the fellowship of the ring, do Playstation 2, que inseriu o personagem Tom Bombadil, presente no livro e ausente no filme. Hoje, as adaptações de filmes como X-Man, Iron Man, Thor, entre outros, não deixa nada a desejar nas telas dos games. Já o contrário...

É difícil adaptar da linguagem dos games para a dos filmes. Aliás, como podemos definir as constituições específicas da linguagem videogame? Uma linguagem que ela própria se adapta o tempo inteiro, diante de novas experimentações dos produtores, de diletantes e aficcionados através dos mods, de criadores que estão fora do eixo comercial e trazem ideias inovadoras e cheias de imaginação em games como Limbo. Um outro problema é que a grande maioria dos bons diretores e roteiristas ainda não acreditam na potencialidade do game e no retorno de bilheteria que um bom filme de um game pode render.

Comix Zone, aclamado game da Era Mega Drive.
O diálogo entre os quadrinhos e os games também é bastante antigo. Do game para os quadrinhos lembramos aqui da adaptação de Tomb Raider, em que a protagonista Lara Croft atuou na revista com a heroína Witchblade. O gibi ficou muito bom, mas rendeu poucas sequências. Na época da produção, a revista Ação Games vendeu algumas de suas edições com gibis da série como encarte promocional. Também não foi muito longe. Já o contrário, do quadrinho para o game, a grande referência é o sensacional Comix Zone, do Mega Drive. O jogo não se baseava em nenhum gibi, mas toda sua estrutura (ambiente, personagens e narrativa) era tal qual uma história em quadrinhos. O personagem principal, um desenhista, é tornado refém do próprio vilão que construiu com seus traços, indo parar no interior da sua história, um tema recorrente.

Bom, e quanto à literatura? Há possibilidade de boas adaptações entre games e livros? Claro, existem as experiências de narrativas interativas, em que o jogador se depara com elementos hipertextuais e hipermidiáticos no decorrer de sua passagem pela mídia. Mas e quanto a tomar uma obra clássica e transformá-la em game? O contrário já vem acontecendo: Resident Evil é um bom exemplo de game que virou livro e, recentemente, a Editora Record editou Assassin’s Creed: Renascença, de Oliver Bowden, com tradução de Ana Carolina Mesquita. O livro já vai em sua 3ª edição e narra fielmente os eventos jogados em Assassin’s Creed 2. Pelo que li (estou na metade do livro) o autor se circunscreve a um estilo mais descritivo para relatar os momentos interativos do game, mas nem por isso a obra se torna enfadonha. Por se tratar de uma aventura, a abordagem mais psicológica ficou em suspenso. Será que o gênero pega?

Particularmente também já conjecturei sobre adaptações de obras clássicas para games, como Os Maias, de Eça de Queirós. Com os gráficos 3D de última geração, veríamos Pedro da Maia em terceira pessoa e experimentaríamos catarticamente sua pulsação nervosa, no momento de seu suicídio, através da vibração de um dual shock. Nadaríamos com Carlos Eduardo quando criança e daríamos bengaladas em Dâmaso quando adulto, através de sequências de botões, tais como as de God of War. Por que não? Não há mercado? Então, dane-se o mercado: invistamos em projetos culturais nacionais através dos games e façamos com que a mídia videogame possa dialogar, também, com o livro (um evento no jogo pode depender do conhecimento de determinada sequência na história literária, o qual só será obtido através da leitura, por exemplo). Porque “é próprio das coisas, a mudança”, como diria o velho Dom Afonso, e quem vos fala com citações literárias é um viciado em games que só não joga mais porque o tempo não deixa.